PARÊNQUIMA, MESÊNQUIMA
Muitos termos científicos são criados para expressar idéias e conceitos prevalecentes em uma determinada época. Com o passar do tempo e o progresso dos conhecimentos científicos modificam-se os conceitos e novas teorias e doutrinas vêm substituir as antigas. Os termos antes criados, contudo, permanecem no vocabulário e continuam sendo utilizados com um novo significado, o qual, muitas vezes, já não corresponde à etimologia da palavra. Exemplo tanta svezes citado é o da palavra artéria (etimologicamente, que conduz ar, como então se acreditava).
A palavra parênquima pode ser incluída entre aquelas que sofreram essa inevitável evolução semântica. Segundo Vesalius, o termo parênquima se deve a Erasístrato (300 a.C.), tendo sido formado com os elementos gregos pará, ao lado de, junto a + égkhyma, infusão, do verbo egkhéo, verter, despejar. De acordo com a teoria dos humores, então aceita, os humores eram levados até aos órgãos e aí se solidificavam, transformando-se em massa consistente - o parênquima.[1]
Mesmo após a descoberta da circulação sangüunea por Harvey, em 1616, o termo continuou a ser empregado em seu primitivo sentido. Somente depois que se desvendou a estrutura multicelular dos tecidos é que surgiu uma nova acepção. Em 1682, Grew, ao referir-se à anatomia das plantas, empregou, pela primeira vez, o termo parênquima, não como um suco endurecido, mas como uma estrutura organizada.[1] Desde então o termo parênquima deixou de significar substância amorfa para adquirir a acepção de tecido. Houve, entretanto, certa imprecisão quanto aos elementos anatômicos que deveriam ser abrangidos pela denominação de parênquima.
No clássico dicionário de Littré e Robin, [2] procurou-se estabelecer uma conceituação mais exata de parênquima. Não se deve entender parênquima, dizem aqueles autores, como sinônimo de tecido. Parênquima designa um grupo de diferentes espécies de tecidos, integrantes de um órgão, mas nenhum em particular. Ressaltaram que a idéia de parênquima não se aplica a órgãos ou elementos anatômicos em que predomina um só tipo de tecido, como no caso dos músculos e dos nervos. Dividem os parênquimas em glandulares e não glandulares, caracterizando os primeiros pela propriedade de produzirem secreção. Dentre os não glandulares citam os parênquimas testicular e ovariano, pulmonar, renal e placentário. Este conceito de parênquima perdurou por longo tempo e ainda se encontra registrado em alguns léxicos especializados.[3]
Em 1881, Hertwig propôs o termo mesênquima (de mesós, meio + égkhyma) para designar, em embriologia, a parte do mesoderma que se diferencia para formar o tecido conjuntivo.[4] Operou-se com o tempo a ampliação do significado do novo termo, que passou a abranger todos os outros derivados mesodérmicos.
E 1955, o VI Congresso Internacional de Anatomistas, reunido em Paris, ao elaborar a Nomina Anatomica conhecida por PNA, restringiu o significado de parênquima ao tecido nobre, funcional, de uma glândula, em oposição ao tecido conjuntivo intersticial de sustentação ou estroma.[5]
Modernamente, portanto, o
termo parênquima só deve ser usado para designar os elementos
secretores de uma glândula, tanto de secreção externa
como interna, e o tecido especializado de algumas vísceras não
cavitárias como o fígado, baço, rins, pulmões,
não se aplicando a outros órgãos e tecidos, como o
tubo digestivo, sistema nervoso, coração, tecido ósseo
ou muscular.
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 313
2. LITTRÉ, E. , ROBIN, Ch. - Dictionnaire de médecine,
de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire et des sciences
qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils, 1873.
3 PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
4. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 272..
5. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. , LAMBERT, H.
Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris,
Masson , Cie., 1970.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.