FLEMING, O ACASO E A OBSERVAÇÃO
Tem-se dito que muitas descobertas
científicas são feitas ao acaso. O acaso, já dizia
Pasteur, só favorece aos espíritos preparados e não
prescinde da observação. A descoberta da penicilina constitui
um exemplo típico.
Alexander Fleming, bacteriologista
do St. Mary's Hospital, de Londres, vinha já há algum tempo
pesquisando substâncias capazes de matar ou impedir o crescimento
de bactérias nas feridas infectadas. Essa preocupação
se justificava pela experiência adquirida na Primeira Grande Guerra
(1914-1918), na qual muitos combatentes morreram em conseqüência
da infecção em ferimentos profundos.
Em 1922 Fleming descobrira
uma substância antibacteriana na lágrima e na saliva, a qual
dera o nome de lisozima.
Em 1928 Fleming desenvolvia
pesquisas sobre estafilococos, quando descobriu a penicilina. A descoberta
da penicilina deu-se em condições peculiaríssimas,
graças a uma seqüência de acontecimentos imprevistos
e surpreendentes.
No mês de agosto daquele
ano Fleming tirou férias e, por esquecimento, deixou algumas placas
com culturas de estafilococos sobre a mesa, em lugar de guardá-las
na geladeira ou inutilizá-las, como seria natural.
Quando retornou ao trabalho,
em setembro, observou que algumas das placas estavam contaminadas com mofo,
fato que é relativamente freqüente. Colocou-as então,
em uma bandeja para limpeza e esterilização com lisol. Neste
exato momento entrou no laboratório um seu colega, Dr. Pryce, e
lhe perguntou como iam suas pesquisas. Fleming apanhou novamente as placas
para explicar alguns detalhes ao seu colega sobre as culturas de estafilococos
que estava realizando, quando notou que havia, em uma das placas, um halo
transparente em torno do mofo contaminante, o que parecia indicar que aquele
fungo produzia uma substância bactericida. O assunto foi discutido
entre ambos e Fleming decidiu fazer algumas culturas do fungo para estudo
posterior.
O fungo foi identificado como pertencente ao gênero
Penicilium,
donde deriva o nome de penicilina dado à substância por ele
produzida. Fleming passou a empregá-la em seu laboratório
para selecionar determinadas bactérias, eliminando das culturas
as espécies sensíveis à sua ação.
A descoberta de Fleming
não despertou inicialmente maior interesse e não houve a
preocupação em utilizá-la para fins terapêuticos
em casos de infecção humana até a eclosão da
Segunda Guerra Mundial, em 1939.
Em 1940, Sir Howard Florey
e Ernst Chain, de Oxford, retomaram as pesquisas de Fleming e conseguiram
produzir penicilina com fins terapêuticos em escala industrial, inaugurando
uma nova era para a medicina - a era dos antibióticos.
Alguns anos mais tarde,
Ronald Hare, colega de trabalho de Fleming, tentou, sem êxito, "redescobrir"
a penicilina em condições semelhantes às que envolveram
a descoberta de Fleming. Após um grande número de experiências
verificou que a descoberta da penicilina só se tornou possível
graças a uma série inacreditável de coincidências,
quais sejam:
- O fungo que contaminou
a placa, como se demonstrou posteriormente, é um dos três
melhores produtores de penicilina dentre todas as espécies do gênero
Penicilium;
- O fungo contaminante teria
vindo pela escada do andar inferior, onde se realizavam pesquisas sobre
fungos;
-O crescimento do fungo
e dos estafilococos se fez lentamente, condição necessária
para se evidenciar a lise bacteriana;
- No mês de agosto
daquele ano, em pleno verão, sobreveio uma inesperada onda de frio
em Londres, que proporcionou a temperatura ideal ao crescimento lento da
cultura;
- A providencial entrada
do Dr. Pryce no Laboratório permitiu que Fleming reexaminasse as
placas contaminadas e observasse o halo transparente em torno do fungo,
antes de sua inutilização.
Apesar de todas essas felizes
coincidências, se Fleming não tivesse a mente preparada não
teria valorizado o halo transparente em torno do fungo e descoberto a penicilina.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
dez./2000, atualizado em 5/4/2005.