PESSOA, INDIVÍDUO, SUJEITO
Na linguagem comum são indistintamente empregadas as três
palavras acima como sinônimos. Na linguagem médica, em pesquisas
envolvendo seres humanos, especialmente nos ensaios clínicos, é mais comum
referir-se aos participantes da investigação na condição de pessoas normais do
grupo controle, como indivíduos ou como sujeitos, raramente como pessoas.
Qual seria a denominação mais apropriada
?
Etimologicamente, pessoa deriva do
latim persona, ae,
“máscara de teatro; por extensão, papel atribuído a essa máscara,
caráter, personagem...” [1]
Indivíduo (do latim individuus,
a, um) significa indivisível, uno, referindo-se a um ser biológico cuja
existência depende de sua integridade. Aplica-se, portanto, não somente ao
homem, como a outros animais e até a plantas [2]
Sujeito provém do latim clássico subjectus, a, um, “colocado debaixo, em
posição inferior”. Designava o escravo, o submisso, o vassalo, o subjugado[1].
Mais do que a etimologia, importa a
semântica. As palavras, em sua trajetória pelo tempo, vão adquirindo,
independentemente de sua origem, um conteúdo semântico próprio, que se reveste
de atributos específicos conforme a vertente considerada.
Em teologia, por exemplo, seria
impensável a Santíssima Trindade formada por três indivíduos ou três sujeitos
em lugar de três pessoas.
Em filosofia, a diferença conceitual entre pessoa
e indivíduo é bem estabelecida. Para S.Tomás pessoa significa
o que é distinto, diferentemente do indivíduo, que é indistinto.
Outros pensadores emitiram conceitos semelhantes, que reforçam a diferenciação
entre pessoa e indivíduo. Dentre os mais citados estão os filósofos
Locke, Kant, Scheler [3].
Em antropologia o termo pessoa
aplica-se a um ente definível positivamente, enquanto indivíduo ou sujeito,
a um ente definível negativamente [4]
Em Sociologia, pessoa é o
indivíduo provido de “status social”, enquanto indivíduo e
sujeito adquiriram conotação pejorativa, despersonalizante.
Em Direito, pessoa expressa
ou designa todo ser capaz ou suscetível de direitos e obrigações. [5] As
denominações de indivíduo ou sujeito raramente são usadas, a não
ser quando se referem a réus em processos criminais ou em sessões de júri.
Nos léxicos da língua portuguesa, embora
os três termos sejam considerados intercambiáveis em determinados contextos, as
diferenças entre eles são expressas nas várias acepções arroladas.
Na literatura médica, a frequência de cada um deles varia com o idioma considerado.
Em um levantamento feito pela Internet, através do site de busca GOOGLE,
cruzamos “pesquisa médica” com cada um dos termos citados e
obtivemos os seguintes dados:
idioma
entrada
termo
frequência
Português
pesquisa
médica
pessoa
80,0%
indivíduo
13,6%
sujeito
6,4%
Espanhol
pesquisa
medica
persona
68,7%
individuo
16,4%
sujeto
14,9%
Italiano
ricerca
medica
persona
38,7%
individuo
13,6%
soggetto
47;7%
Francês
recherche medicale
personne
62,3%
individu
9,1%
sujet
28,6%
Inglês
medical
research
person
42,7%
individual
28,9%
subject
28,4%
Alemão
medizinische forschung
person
90,9%
individuum
6,0%
subjekt
3,1%
Por estes dados, vemos que “pessoa” é o termo predominante em alemão, com 90,9% de referências, seguido do português, com 80,0%, enquanto “sujeito” é mais usado em italiano, com 47,7%, seguido do francês, com 28,6%.
Em nosso idioma, quando se trata unicamente dos integrantes do grupo controle, a proporção se altera. Em 154 artigos indexados pela BIREME, “indivíduo” foi usado em 57,0% deles.[7]
Em inglês, por vezes utilizam-se indiferentemente mais de um dos termos citados no mesmo artigo, tais como person e individual, person e subject, individual e subject e até mesmo o três: person, individual e subject.
Voltemos à pergunta inicial. Qual seria o termo apropriado para ser usado em relatórios e artigos científicos relativos a pesquisas em seres humanos?
Como defendia o Prof. Ruy Ferreira Santos, catedrático do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o termo mais consentâneo com a condição humana, no seu dizer “mais nobre e respeitosa”, é, sem dúvida, pessoa.[8] Ao nos referirmos às pessoas como indivíduos, estaremos nivelando a sua condição a dos animais irracionais e, ao preferirmos sujeitos estaremos degradando a sua condição social.
A não usar pessoa, entre indivíduo e sujeito é
preferível indivíduo como um ente biológico uno que é o ser humano.
Referências
1.
HOUAISS, A., VILLAR, M.S. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.
2.
SILVA Jr., M.C. Fitossociologia e estrutura diamétrica
da mata de galeria do Taquara, na reserva ecolológica do IBGE, D.F. Revista Árvore 28(3), May/June 2004
3.
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia
(trad.). São Paulo, Martins Fontes, 2003.
4.
FERRATER. Dicionário de Filosofia.
Buenos Aires, 1971
5.
SILVA, D.P. Vocabulário jurídico,
9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1986
6.
GOOGLE. Internet. Disponível em
http://www.google.com.br/advanced_search?hl=pt-BR Acessado em 25/01/2010.
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
25/01/2010