LINGUAGEM MÉDICA
PHÁRMAKON
Desta
palavra do grego clássico, qual tronco de rica seiva, brotou a frondosa árvore
da nomenclatura relacionada à ciência dos medicamentos e à arte de produzi-los.
Sua origem perde-se nos albores da civilização grega e seu registro é encontrado
já nos poemas homéricos, tanto na Ilíada como na Odisséia, com o sentido de
planta ou poção de uso medicinal e mágico.
Primitivamente,
phármakon definia qualquer substância
capaz de atuar no organismo animal, seja em sentido benéfico ou maléfico. Por isso,
tanto designava remédio como veneno. E o pharmakeús
era um misto de preparador de remédios, mágico e envenenador.1
É
surpreendente a riqueza do vocabulário grego clássico quanto ao número de
derivados e compostos com o tema phármakon.
As diversas etapas na preparação, comércio e utilização dos phármakones tinham suas denominações
próprias.
Pharmakeía ou pharmakía era a arte de preparar medicamentos; pharmacotheke, o armário onde estes eram guardados; pharmakóphoros, o produtor de
medicamentos; pharmacotribes,
o auxiliar, moedor de ervas; pharmakopoiós,
o preparador, e pharmakopoles, o
vendedor de medicamentos. Denominava-se pharmakoposia
a ingestão de um phármakon e pharmakodosia o envenenamento por ele
produzido, que se combatia com o alexiphármakon,
antídoto ou contra-veneno.1
No
século III dC Diógenes Laércio refere-se à pharmakopoiía como a arte de preparação
dos medicamentos, termo formado com o verbo poiein,
fazer, e que se perpetuou nas atuais farmacopéias.2
Por
extensão semântica, pharmakia passou
a designar igualmente o estabelecimento onde se preparam e se vendem medicamentos.
De oxítona, em grego, a palavra tornou-se paroxítona em sua passagem pelo
latim, dando origem a farmácia em português.
Paralelamente, o
estabelecimento também era chamado de apotheke,
cujo significado original em grego é o de armazém, depósito, e se aplicava a víveres
e mercadorias de um modo geral. Galeno foi, talvez, o primeiro a empregar apotheke referindo-se a medicamentos.3 O termo ressurgiu na Idade Média e
foi preservado nas línguas germânicas (alemão, apotheke; holandês, apotheek;
sueco e dinamarquês, apotek).
Outra denominação, de cunho
popular, dada à farmácia, sobretudo a de menor suprimento, é o de botica.
Botica provém do grego apotheke, que
se pronuncia apothiki e que, no baixo
latim da península ibérica, evoluiu para botica
em espanhol e português e botiga
em catalão.4
De apotheke derivam, igualmente, bodega
em português, com o sentido de taverna, e boutique, em francês, na acepção de magazine.
Ainda
na Idade Média nasceu um novo termo que iria competir daí por diante com o phármakon grego - droga.
Droga
designava
inicialmente qualquer ingrediente utilizado em tinturaria, química ou farmácia.
As drogas usadas em medicina eram ditas medicinais. Dada a importância destas últimas
operou-se o processo semântico da elipse do segundo elemento e a palavra droga tornou-se sinônimo de droga medicinal.5
A
origem do termo droga é controverso e mais de um étimo têm sido admitidos. Os mais
verossímeis são:
a) do baixo alemão droghe vate,
nome de um recipiente onde se guardavam ervas secas;6
b) do neerlandês droog, que quer
dizer seco;3
c) do céltico, com a acepção de má qualidade. Falam a favor desta hipótese
os vocábulos droug em bretão, e droch em irlandês.4
De droga provém drogaria, cujo
significado inicial era de uma coleção de drogas. De coleção de drogas passou a
nomear o local onde se guardavam as drogas, o comércio de drogas e, por último,
o estabelecimento onde se vendem medicamentos e outros produtos
industrializados como cosméticos, perfumarias etc. Em
inglês o termo correspondente à drogaria é drugstore.
De droga originou-se droguista, do
mesmo modo que de apotheke, apotecário, e de botica, boticário, para
indicar o profissional do ramo
No século XX o termo droga ganhou uma acepção adicional: o de
substância tóxica de efeito alucinógeno. O verbo drogar e o seu particípio drogado
expressam, respectivamente, o uso de tais substâncias e o estado decorrente
da ação destas.
Droga também quer dizer
coisa de pouco valor, de má qualidade, o que condiz com a acepção da palavra nas línguas
célticas.
Mas, voltemos ao phármakon grego.
Com o progressivo
desenvolvimento da farmácia a partir do século XIX e sua passagem do empirismo
para o método científico, novos termos tiveram de ser criados para expressar a
nova realidade.
E a frondosa árvore do phármakon grego agigantou-se: farmacologia, farmacognosia, farmacotécnica,
farmacodinâmica, farmacopoiese, farmacoquímica, farmacografia, farmacoterapia,
farmacodependência, farmacoprofilaxia são alguns dos termos usados para
expressar as múltiplas vertentes da farmácia, na atualidade. O Vocabulário da
Academia Brasileira de Letras arrola nada menos que 56 cognatos de fármaco.7
A civilização oriental e,
especialmente a civilização árabe, muito contribuíram para o enriquecimento da
farmácia, enquanto a civilização grega forneceu e fornece
os elementos linguísticos básicos necessários à
elaboração e difusão dos conhecimentos.
A língua grega é um
manancial inesgotável com que se constrói a nossa linguagem técnico-científica.
E phármakon
é disso um bom exemplo.
Referências bibliográficas
1. CHANTRAINE, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque. Histoire des mots. Paris, Ed. Klincksieck, 1984.
2. LIDDELL, Henry G.
& SCOTT, Robert: A greek-english lexicon, 9.ed.,
3. SKINNER, Henry A.: The
origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1961.
4. COROMINAS, J. & PASCUAL, J.A.: Diccionario crítico etimológico
castellano e hispánico. Madrid, Ed.Gredos, 1984
5. ULLMANN, S.: Semântica. Uma introdução à ciência do significado, 4.ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1964.
6. BLOCH, O., VON WARTBURG, W. Dictionnaire étymologique de la langue
française, 7.ed. Paris, Presses Universitaires de
France, 1986.
8. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário ortográfico da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, 1999.
Publicado
no Bol. Sobravime 2000; (37):12-3, julho-dezembro
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br