A DESCOBERTA DOS RAIOS-X E O SEU LADO PITORESCO
A descoberta dos raios-X
por Wilhelm Roentgen, em 1895, causou um impacto não somente nos
meios científicos, mas também entre os leigos. Sabia-se que
algo de extraordinário fora descoberto e previa-se uma nova era
para a medicina.
O que mais impressionava
as pessoas era o poder de penetração dos raios-X e a possibilidade
de visualização do interior do corpo humano através
das vestes e do tegumento cutâneo. A imagem obtida com os raios catódicos
foi de início considerada como um tipo especial de fotografia.
A simplicidade dos primeiros
aparelhos fez com que surgissem muitos amadores com instalações
improvisadas, oferecendo fotografias com os misteriosos raios-X. Era comum,
entre namorados, a troca de fotografias das mãos feitas com os raios-X.
Lojas de material fotográfico
ofereciam componentes para a montagem de um aparelho simples de raios X
que permitia reproduzir as experiências de Roentgen.
A imprensa de vários
países noticiou a descoberta com grande destaque e houve diversas
manifestações, partidas dos mais diferentes setores da sociedade.
A maioria de tais manifestações,
veiculadas pela imprensa, era de admiração e louvor ao notável
feito do físico alemão; algumas, entretanto, caracterizavam-se
pelo lado ridículo ou pelo senso de humor.
Conforme relata Alan Bleich
em seu livro The story of X-rays from Roentgen to isotopes (Dover
Publ., 1960),
a radiografia passou a ser objeto de curiosidade e até de preocupação,
pois invadia a privacidade do corpo humano, oferecendo do mesmo uma representação
fotográfica inestética.
Uma loja de confecções
de Londres chegou a anunciar a venda de roupas íntimas à
prova de raios-X.
Um deputado, em New Jersey,
nos Estados Unidos, apresentou um projeto de lei proibindo o uso, no teatro,
de binóculo provido de raios-X.
Em New York a fluoroscopia
era anunciada como "espetáculos de Roentgen", ao preço de
cinco a 20 dólares.
A revista "Life", em fevereiro
de 1896, publicou a seguinte poesia, de autoria de Lawrence K. Russel,
que apresentamos em tradução livre:
"Ela
é
tão
alta, tão esbelta; e seus ossos,
aqueles
débeis
fosfatos
e aqueles carbonatos
tornam-se
magníficos
aos
raios catódicos
pelas
oscilações,
ampères
e ohms;
suas
vértebras
não
se ocultam sob a pele,
mas
tornam-se
inteiramente
visíveis.
Em
torno
de
suas formosas costelas
em
número
de
vinte e quatro
desenha-se
um
tênue
halo de sua carne;
sua
face
sem
nariz e sem olhos volta-se para mim
e
eu
sussurro:
"querida eu te adoro";
seus
dentes
brancos
e brilhantes sorriem.
Ah!
doce,
cruel,
adorável catodografia".
A revista "Photography", na mesma época, contribuiu com esta outra poesia, que também apresentamos em tradução livre:
"Os
raios
Roentgen,
os raios Roentgen,
que
viraram
mania
e
excitam
a cidade
com
a
nova fase
de
rumos
futuros,
me
deixam
aturdido,
pois
agora
eu
percebo
que
se
pode
ver e mirar
através
dos
vestidos
com
estes
travessos
raios,
malvados
raios
Roentgen".
Somente depois que se tornaram
conhecidos os efeitos nocivos dos raios-X sobre o organismo humano é
que o seu uso se restringiu aos hospitais e clínicas especializadas,
inicialmente para fins diagnósticos e, posteriormente, também
para fins terapêuticos no tratamento de neoplasias malignas.
Ainda assim, as primitivas
instalações não ofereciam proteção adequada
e muitos médicos e operadores de raios X foram vítimas das
radiações, apresentando radiodermite nas mãos, que
poderiam levar à amputação, e alta incidência
de leucemia.
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
abril de 2002