EMBAIXADOR DA MEDICINA CIENTÍFICA BRASILEIRA
Henrique da Rocha Lima (1879-1956)
Henrique da Rocha Lima foi o
embaixador, nos países europeus, da medicina científica que emergia do Instituto
Oswaldo Cruz no início do século XX. Por sua genialidade, suas pesquisas e suas
descobertas, projetou seu nome e, com ele, a imagem do nosso País no cenário
científico internacional.
Nasceu
Rocha Lima em 1879, na cidade do Rio de Janeiro, onde realizou seu curso médico,
concluído em 1901 com a tese Esplenomegalia nas infecções agudas. Ainda
como estudante freqüentou o Instituto Soroterápico, onde foi seduzido pelo
carisma de Oswaldo Cruz conforme seu depoimento anos depois:
"
Em 1902 foi para a
Alemanha estagiar no Instituto de Higiene de Berlim nas áreas de microbiologia e
anatomia patológica.
Nesse mesmo
ano, de regresso ao Brasil, foi convidado por Oswaldo Cruz para trabalhar no
Instituto Soroterápico, que, em 1903, passaria a chamar-se Instituto de
Patologia Experimental.
Oswaldo
Cruz acumulava, então, os cargos de Diretor do Instituto e Diretor Geral da
Saúde Pública e, nesse período, Rocha Lima foi um de seus principais
colaboradores, inclusive na parte administrativa, substituindo-o nas suas
ausências.
Em 1906 Rocha Lima
voltou à Alemanha e, ciente do Congresso Internacional de Higiene e Demografia
que se realizaria em Berlim no ano seguinte, sugeriu a Oswaldo Cruz a
participação do Instituto nesse Congresso, o que se efetivou com o maior
brilhantismo. A exposição do Brasil foi premiada com medalha de ouro.
A repercussão deste evento tornou
o Brasil conhecido no exterior por suas realizações em saúde pública e pesquisas
científicas na área médica, com reflexos no prestígio nacional do Instituto.
Após sua reestruturação, em 1908, passou a chamar-se Instituto Oswaldo Cruz.
Nessa ocasião, Rocha Lima
dedicava-se ao estudo da febre amarela, tendo descrito lesões típicas no fígado
que permitiam o diagnóstico desta enfermidade pós-mortem. O quadro
histopatológico por ele descrito foi posteriormente denominado "lesão de Rocha
Lima" e utilizado nas viscerotomias em casos suspeitos.1
Em 1909, Rocha Lima foi convidado
a ocupar o cargo de assistente na Universidade de Jena, na Alemanha, e
licenciou-se do Instituto Oswaldo Cruz. Em 1910 recebeu o convite do Prof.
Stanislas von Prowazeki, que havia estado no Brasil e o conhecia, para trabalhar
no Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, onde permaneceu como professor
durante 18 anos.
Em dezembro de
1914 foi comissionado pelo Governo alemão, juntamente com von Prowazeki, para
estudar o tifo exantemático na Turquia. Von Prowazeki contaminou-se com o tifo,
vindo a falecer em fevereiro de 1915. Rocha Lima também se infectou, porém
sobreviveu.
Retornando a
Hamburgo, prosseguiu com suas pesquisas sobre o tifo exantemático e, em 1916,
descobriu no intestino do piolho, o agente causador do tifo, um microorganismo
intracelular que não se enquadrava na categoria de vírus, nem de bactéria, como
se acreditava. Criou, então, um novo gênero e nova espécie, a que chamou de
Ricketsia prowazeki em memória de Rickets e de Prowazeki, dois cientistas
vitimados pelo tifo, quando estudavam esta enfermidade. Apresentou sua
descoberta ao Congresso Alemão de Medicina Interna, em 16 de maio desse mesmo
ano.2
Em 1928, Rocha
Lima retornou ao Brasil, acompanhando o Prof. Alfons Jakob, da Universidade de
Hamburgo, que vinha ministrar um curso de histopatologia do sistema nervoso no
Instituto Oswaldo Cruz.
Aqui
chegando, recebeu convite do Governo do Estado de São Paulo para ocupar o cargo
de diretor da Divisão Animal do Instituto Biológico, recém-criado, que aceitou e
marcou sua volta definitiva para o Brasil. Tem início, então, uma nova fase na
vida de Rocha Lima.
Em 1933
assumiu a direção do Instituto, em substituição a Arthur Neiva. Sob sua gestão
imprimiu ao Instituto um ritmo de trabalho a que estava acostumado na Alemanha e
fez do Instituto a modelar instituição que tantos benefícios trouxe ao
desenvolvimento, em bases científicas, da agricultura e da pecuária do Estado de
São Paulo e do País.3
A importância da descoberta do agente causal do tifo exantemático, de certo modo
ofuscou suas muitas outras pesquisas relativas à doença de Chagas, febre
amarela, histoplasmose, carbúnculo, e outras ricketsioses.
Rocha Lima recebeu muitas
honrarias, tais como a Cruz de Ferro da primeira guerra mundial, medalha de
mérito do Papa Pio XI, medalha Notch do Instituto de Moléstias Tropicais de
Hamburgo, insígnia da Cruz Vermelha Alemã e o título de Cavaleiro do Governo
Alemão, além de outras.4
Nem tudo, entretanto, foram
alegrias em sua carreira, que foi pontilhada por algumas frustrações. A primeira
delas refere-se à sua descoberta das lesões hepáticas características da febre
amarela. O seu valor não foi reconhecido pelos seus próprios colegas do
Instituto Oswaldo Cruz, que a elas se referiam como sendo de Councilman. Somente
em 1928, por ocasião de um surto epidêmico de febre amarela no Rio de Janeiro, a
Comissão Rockfeller, sob a direção de F. Soper, restabeleceu sua autoria e
demonstrou o seu valor no diagnóstico anatomopatológico da febre
amarela.5
Outra
frustração diz respeito à sua descoberta da Ricketsia prowazeki. No mesmo
ano em que comunicou sua descoberta, realizou-se em Varsóvia um congresso cujo
tema oficial era exatamente a etiologia do tifo exantemático. Estavam inscritos
Rocha Lima e H. Topfer, um médico militar que havia investigado o tifo
exantemático em Vloclawek, na Polônia. Embora no programa figurasse o trabalho
de Rocha Lima em primeiro lugar, coube a Topfer fazer antes sua comunicação. A
Rocha Lima foi permitido apresentar somente um pequeno resumo, sem projeções
ilustrativas de sua documentação.
Indignado, Rocha Lima dirigiu uma carta ao Presidente do Congresso, solicitando
a retirada de seu trabalho. Os organizadores do Congresso, no entanto, decidiram
publicar na íntegra a comunicação de Rocha Lima.6
A maior decepção viria posteriormente,
quando, em 1928, foi conferido o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina a Charles
Nicolle por haver descoberto o transmissor do tifo exantemático, que é o piolho.
Nicolle admitia que o microorganismo responsável pela doença fosse um vírus
filtrável.7
Seria de
justiça que Rocha Lima partilhasse o prêmio com Nicolle ou que recebesse o
prêmio em outro ano, como se deu no caso da malária, em que Ronald Ross recebera
o prêmio em 1902 por sua descoberta do mosquito transmissor da malária, e
Alphonse Laveran em 1907, pela identificação do plasmódio.
Tal como aconteceu com Carlos
Chagas e a descoberta da tripanossomíase americana, o Brasil foi mais uma vez
prejudicado pelos critérios variáveis de julgamento da Fundação Nobel.
Rocha Lima faleceu em 1956, aos
76 anos de idade. Sua vida e sua obra foram uma grande lição para as futuras
gerações de pesquisadores de nosso País.
Referências bibliográficas
1. Renato Clark Bacellar. Brazil's contribution to tropical Medicine
and Malaria, 1940, pp. 180-184
2. Edgard de Cerqueira Falcão, " Henrique
da Rocha Lima e a descoberta da Rickettsia prowazeki". Revistta do
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo,
8 (2)
:pp. 55-59, 1966.
3. Márcia Maria Rebouças. "Pelo resgate da memória
documental das ciências e da agricultura: o acervo do Instituto Biológico de São
Paulo". História,
Ciências, Saúde -
Manguinhos 13(4) pp. 995-1005, 2006.
4. Renato Clark Bacellar, op.
cit.
5. Maria Ramos ."Rocha Lima, o pai das rickettsias". In vivo, Fiocruz.
Disponível em
http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=6
6. Edgard de
Cerqueira Falcão, op. cit.
7. Byron D. Cannon. "Charles Nicolle
1928". In Magill, F. N. The Nobel prizes winners", 1991,
pp.287-294.
Publicado em Ética Revista(6):26-27, 2007
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br