RUPTURA, ROTURA, RUTURA
Em latim
clássico havia o verbo
rumpo, ere (romper,
quebrar), tendo como particípio passado
ruptus, rupta,
ruptum, conforme se referisse ao gênero masculino, feminino
ou neutro. Havia também o substantivo ruptura.
Na passagem do latim clássico
para o latim vulgar, o grupo pt medial se transformou em
tt,
que se reduziu a um único t em português.[1]
A vogal u se transformou em o e, assim, do
particípio passado ruptus, a, um, originou-se
roto,
a, em português, que se emprega tanto como forma verbal
quanto em função adjetiva.
Parece natural e lógico,
portanto, que ruptura, em latim, tenha evoluído para
rotura
em português.[2] Alguns léxicos, entretanto, derivam a palavra
rotura
de
roto
+ sufixo –ura.[3][4].O sufixo -ura indica qualidade, estado,
ou resultado de uma ação, sendo empregado em português
na formação de substantivos como largura, frescura, doçura
etc.[5] Tal não parece ser o caso, entretanto, pois a palavra rotura
é bem antiga na língua portuguesa e seu uso data do século
XV, o que permite supor tenha a mesma provindo diretamente do substantivo
latino
ruptura por via do latim vulgar.[1]
Já a forma ruptura,
em português, é mais recente, tendo sido averbada no dicionário
de Moraes [6] com a acepção de "rotura no corpo animal".
Tudo indica que a mesma tenha entrado na língua portuguesa por via
erudita, provavelmente por intermédio do francês, que tanto
contribuiu no passado para a formação do vocabulário
médico, não somente em português, como em outras línguas
neolatinas.
Em espanhol existe igualmente
esta duplicidade de formas: rotura e ruptura. Em italiano
usa-se
rottura;
em francês, rupture, e em inglês,
rupture.
A forma rutura (sem
o p) aparece em dicionários do século passado, como
o de Moraes, [6] Vieira, [7] Lacerda; [8] todos, porém, fazem remissão
para rotura
e
ruptura, demonstrado, assim, clara preferência
por estas duas últimas formas.
Pedro Pinto, na segunda
edição de seu Dicionário de Termos Médicos
abona rotura e ruptura, com preferência para rotura.[9]
Na oitava edição substituiu ruptura por rutura.[10]
A forma rutura (sem
o p) é pouco usada e já não aparece nos melhores
léxicos contemporâneos, ao contrário das formas paralelas
rotura
e
ruptura,que
se encontram registradas nos dicionários de Cândido de Figueiredo,
[11] Silveira Bueno, [12] Aurélio Ferreira [4] e no Vocabulário
Ortográfico
da Academia Brasileira de Letras [13].
Temos, assim, consagradas,
duas formas equivalentes, ambas de largo uso, tanto na linguagem geral
como em linguagem médica.
Qual das duas formas deverá
prevalecer ou, pelo menos, qual deve merecer a nossa preferência?
Devemos dizer
rotura uterina ou ruptura uterina? Rotura
ou ruptura de um tendão, de um músculo, de um aneurisma,
de uma víscera?
Jorge de Rezende, quem,
além de renomado professor de Obstetrícia, era um cultor
do vernáculo, sempre escreveu rotura uterina.[14] Na literatura
médica brasileira até 1979 rotura aparece na proporção
de 72%, ruptura em 21% e rutura em 7% das publicações.[15][16].
Nos últimos 20 anos, entretanto, segundo o Banco de dados da BIREME,
[17] ruptura ultrapassou rotura e rutura reduziu-se
a menos de l%.
As formas predominantes,
portanto, continuam sendo
ruptura e rotura. Ainda é
cedo para dizer qual das duas irá prevalecer no futuro. Embora a
forma rotura
seja mais antiga na língua portuguesa, nota-se
uma crescente preferência pela forma ruptura, de cunho erudito
e que reproduz o latim ruptura.
Referências bibliográficas
1. WILLIAMS, E.B. - Do latim ao português. Rio de
Janeiro, INL, 1961, p. 86
2. MACHADO, J.P, - Dicionário onomástico
etimológico da língua portuguesa, Ed. Confluência,
s/d.
3. NASCENTES, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
4. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed.. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
5. COUTINHO, I.L. - Pontos de gramática histórica,
5.ed. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1962, p. 201
6. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
7. VIEIRA, D. -Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
8. LACERDA, J.M.A.C. - Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
9. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
2.ed. Rio de Janeiro, 1938.
10. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
11. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
12. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
13. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS: Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
14. REZENDE, J. - Obstetrícia, 5.ed. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 1987, p. 752
15. INSTITUTO BRASILEIRO DE BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO
(IBBD) - Bibliografia brasileira de medicina. Rio de Janeiro, 1965-1972.
16. INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (IBICT) - Bibliografia brasileira
de medicina. Rio de Janeiro, 1973-1979.
17. BIREME – Internet. http://www.bireme.br/. Em 31 de
agosto de 2001
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.