LINGUAGEM MÉDICA
SÔMA, SOMATOS
A palavra grega sôma,
genitivo somatos, entra como elemento de composição
em vários termos técnicos usados em biologia e medicina.
Quando no início da palavra mantém a forna original grega
do genitivo, como em somático, somatização, somatostatina,
somatotrófico etc. O Vocabulário da Academia Brasileira
de Letras arrola 71 termos assim formados.[1]
Quando no final das palavras,
os substantivos formam-se com o nominativo sôma, como
em cariossoma condriossoma cromossoma, diplossoma, fagossoma,
leptossoma, lisossoma, microssoma, ribossoma, tripanossoma.
O termo mais antigo parece
ter sido tripanossoma, criado por Gruby em 1843, utilizando os elementos
gregos trypanon, verruma + sôma, corpo.
No campo da citologia, Waldeyer, em 1888, criou o termo cromosoma,
do grego chrôma, cor + sôma, corpo,
para designar a cromatina nuclear, que se cora mais intensamente na célula.[2]
Por ser um termo de mais
amplo emprego, tomaremos cromosoma como paradigma dos demais de
formação análoga para as considerações
que se seguem.
Quando o primeiro elemento
do composto é da primeira declinação (tema em a),
muda-se em o a vogal final. Assim, temos chromo +
sôma
= chromosoma. O termo foi primeiramente introduzido em alemão
chromosom
e,
a seguir, adaptado a outros idiomas de cultura. Em inglês e francês
escreve-se chromosome, em espanhol e italiano cromosoma.
Em português nada menos
de seis formas já foram registradas: cromosoma, cromossoma, cromosomo,
cromossomo, cromosômio, cromossômio, além, naturalmente
de cromosómio e cromossómio, do português
de Portugal.
Os léxicos do século
XX divergem entre si quanto à forma adotada. Ramiz Galvão
grafa cromosômio [3] e Pedro Pinto cromosômo.[4]
Nascentes registra somente cromosoma (com um único s
e terminação em a); [5] Candido de Figueiredo
averba apenas cromossoma[6] e Seguier, cromossomo.[7]
Silveira Bueno registra cromossoma e cromossômio [8] e
Aulete-Garcia cromossomo e cromossômio.[9]
Os adeptos da duplicação
do s alegam razão fonética com o fim evitar
o som de z intervocálico, muito embora haja exemplos
de outras palavras em que esta regra não prevaleceu como em parasito
(de pará, junto de + sîtos, alimento),
filosofia
(de
philo,
amigo + sophia, sabedoria) e até há pouco tempo
tripanosoma,
amplamente
empregada em publicações sobre a doença de Chagas.
A forma com duplo s é atualmente a mais aceita. As
formas cromosômio
e cromossômio estão
em abandono, muito embora o Vocabulario da Academia Brasileira de Letras
ainda registre cromossômio.[1]
Aceitando-se a duplicação
do s como definitiva, ficamos com a alternativa de cromossoma
e
cromossomo.
As
duas formas coexistem como variantes da mesma palavra, com livre trânsito
na língua.
Ultimamente observa-se a
tendência de privilegiar a terminação –somo em
lugar de –soma, aparentemente com a falsa idéia de se conferir
à palavra o gênero masculino. Os que assim pensam se esquecem
de que todas as palavras de origem grega terminadas em -ma
já são do gênero masculino. Ex.: aroma, dilema,
eczema, enema, eritema, estroma, genoma, lipoma, mioma, carcinoma, sintoma,
protoplasma, toxoplasma, etc.
Assim, a palavra cromossoma
e
todas as demais de formação análoga já são
do gênero masculino, não se justificando a mudança
da vogal final com esse objetivo. A terminação –somo só
é usada na língua portuguesa, sendo ignorada em outras línguas
neolatinas.
Houaiss oferece-nos uma
outra justificativa. No verbete –somo de seu dicionário lemos:
"elemento de composição pospositivo, do gr. sôma,
atos
‘corpo (por oposição a alma e espírito), em compostos
formados segundo o padrão do adjetivo grego trisômos
‘de três corpos’ (depois também substantivados ou substantiváveis),
do que provém a situação presente do português,
com os dois pospositivos –soma e –somo, do século
XIX, mas com forte formação no século XX...."[10]
Os dicionários Aurélio
século XXI, [11] Michaelis [12] e Houaiss [10] registram a forma
com a terminação –soma com remissão para a
variante –somo, o que pressupõe preferência para esta
última forma. Já o dicionário da Academia das Ciências
de Lisboa coloca a forma com a terminação – soma em
primeiro lugar. [13]
Entre os dicionários
médicos mais recentes, Coutinho adota a terminação
-soma, [14] enquanto Paciornik [15] e Luís Rey [16] optaram
por –somo.
Talvez por influência
dos léxicos atuais, os autores da área biomédica passaram
a usar de preferência a terminação –somo, na
proporção de 20:1, conforme se verifica em artigos indexados
pela BIREME nos últimos 20 anos, segundo os dados disponíveis
na Internet.[18]
Em que pese à justificativa
de Houaiss, parece-nos uma incongruência usar-se a mesma palavra
grega, ora com a vogal a, ora com a vogal o,
na dependência de tratar-se do nominativo ou do genitivo.
Acreditamos que ainda é
tempo de se corrigir esta anomalia se os usuários dos termos formados
com o determinado –soma, que são de uso restrito à
área biológica, voltarem a usar a terminação
–soma em lugar de –somo.
Referências bibliográficas
1. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3a. ed. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
2. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
3. GALVÃO, B.F.R. - Vocabulário etymologico,
ortographico e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua
grega. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
4. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
5. NASCENTES, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro. Academia Brasileira de Letras, 1961-1967.
6. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
7. SÉGUIER, J. - Dicionário prático
ilustrado. Porto, Lello & Irmão Ed., 1981.
8. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.9. AULETE,
F.J.C., GARCIA, H. - Dicionário contemporâneo da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Delta, 1980.
10. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.
11. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
12. MICHAELIS -: Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
13. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Dicionário
da língua portuguesa contemporânea. Lisboa, Ed. Verbo, 2001.
14. COUTINHO, A.C. - Dicionário enciclopédico
de medicina, 3.ed. Lisboa, Argo Ed., 1977.
15. PACIORNIK, R. - Dicionário médico,
2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
16. REY, L. - Dicionário de termos técnicos
de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
17. BIREME. Internet. Http://www.bireme.br/.
Em 30 de maio de 2002.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.