TÍSICA
A palavra tísica
é
uma das mais antigas em medicina. De origem grega escreve-se na língua
original
phthsis, com phi e
theta
no início da palavra. [1] Deriva do verbo phthiso,
com o sentido de decair, consumir, definhar.
A língua inglesa
conserva a mesma grafia do grego, embora a palavra seja considerada arcaica
e obsoleta, tendo sido substituída por tuberculose. Utilizam-na,
entretanto, em uma doença oftalmológica, denominada phthisis
bulbi, que nada tem a ver com tísica propriamente dita.[2]
Depois que a tísica
foi identificada à tuberculose e que se verificou que a mesma pode
acometer outros órgãos, além dos pulmões, inclusive
os ossos, descobriu-se que se trata de uma doença milenar, ou mesmo
pré-histórica, tendo sido identificada em múmias egípcias
datadas de mais de 3.000 anos a.C. [3]
No Corpus hippocraticum
a tísica é mencionada em várias passagens com descrições
precisas quanto à sintomatologia e prognóstico. No livro
Aforismos
há
duas observações que devem ser destacadas: a de que a tísica
acomete principalmente os jovens entre 18 e 35 anos e a de que o aparecimento
de diarréia no quadro clínico é um prenúncio
de morte. [4] No livro Epidemias I, a tísica é descrita
com minúcia, assim como sua alta mortalidade. "Não conheço
um só caso que tivesse de permanecer no leito e que sobrevivesse
por algum tempo", escreveu Hipócrates.no século V a.C.[5].
Celsus, (25aC-50dC), em
várias passagens de sua obra De Medicina faz menção
à tísica, porém a descrevia com o nome de tabe.
[7]
A tísica era de ocorrência
frequente no Império Romano e Areteus,que viveu de 81 a 138
dC, nos legou uma das melhores descrições da doença,
que contém a seguinte observação: "A tísica,
portanto, se deve a uma ulceração do pulmão e costuma
apresentar-se depois de uma tosse prolongada ou hemoptise. Acompanha-se
de febre contínua, mais acentuada à noite" [6]
Em latim, a partir do século
XIV a palavra
phthisis
ganhou o sinônimo de consumptio,
onis
(consunção), cujo sentido é o mesmo de
tísica,
ou seja, doença que vai consumindo as forças do indivíduo,
levando-o à desnutrição progressiva, à debilidade
e à inanição, até causar-lhe a morte.[8] As
principais manifestações clínicas associadas são
a palidez, a febre, sudorese, e os sintomas pulmonares, caracterizados
pela tosse, expectoração purulenta ou sanguinolenta e, por
vezes a hemoptise. As duas denominações, a grega e a latina conviveram como
sinônimos e eram intercambiáveis
A palavra tuberculose, que
tornou obsoletos os termos
tísica
e
consunçãosurgiu após a
descrição da presença de tubérculos no
pulmão e em outros locais afetados. A primeira
descrição de tubérculos no parênquima
pulmonar
se deve a Francisco La Boe (Sylvius) em 1679.[9]
É possível
que muitas doenças consuntivas de natureza não tuberculosa
fossem confundidas com a verdadeira tísica.
Outros sinônimos de
cunho popular atribuídos à tísica são os de
"peste branca" e "mal do peito". O nome de "peste branca" se deve à
palidez da pele contrastando com a cor rósea dos pômulos durante
o acesso febril, e o de "mal do peito" aos sintomas pulmonares. A tísica
de evolução rápida e fatal era chamada de "galopante";
Apesar da hemoptise constituir
manifestação frequente da doença e da semelhança
morfológica das palavras, o radical ptise tem outra etimologia,
inteiramente diversa de tísica. Hemoptise formou-se
do grego haîma, sangue + o verbo ptyo, que quer dizer
escarrar.[1]
A tuberculose tem sido tema
de numerosas publicações em todo o mundo, de tratados e mais
tratados, de uma vasta literatura científica e leiga, abrangendo
todas as suas vertentes. No período do romantismo constituiu assunto
preferido de dramas, romances, novelas, peças teatrais, óperas
e poesias. [10]
Embora sua incidência
fosse maior entre as populações carentes, acometia a todos,
sem distinção de classe. Personalidades importantes da História,
no campo da ciência, da literatura e das artes foram vítimas
da tuberculose. Dentre eles poderíamos citar, como exemplo, os médicos
Laennec e Gaspar Viana, os escritores Checkov e Franz Kafka, os poetas
Castro Alves e Manoel Bandeira, e o músico Chopin.
Somente depois de ter sido
constatada a contagiosidade da doença por Villemin em 1868;[11]
de Koch haver identificado o
Mycobacterium tuberculosis em 1882,[12]e
Waksman haver descoberto em 1944 o primeiro antibiótico com ação
sobre o bacilo, a estreptomicina [13], a incidência da tuberculose
começou a declinar até deixar de ser a grande ceifadora de
vidas que sempre fora.
As autoridades sanitárias
nacionais e internacionais,. contudo, têm alertado para o perigo
de sua recrudescência, apesar do arsenal terapêutico hoje disponível.
Segundo a Organização
Mundial de Saúde, somente no ano de 1998 foram notificados em todo
o mundo 3.617.045 casos de tuberculose. [14]
No Brasil, estima-se em
90.000 o número de casos novos que surgem anualmente e, destes,
cerca de 6.000 evoluem para o óbito.[15]
Referências bibliográficas
1. BAILLY, A.: Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
2. STEFANI, F.H. – Phthisis bulbi – an intraocular fluoride
proliferative reaction. Dev. Ophtalmol. 10: 78- 160, 1985.
3. LECA, ARAGE-PIERRE - La médecine egyptienne
au temps des pharaons. Paris, Ed. Roger Dacosta, 1970, p. 233-235
4. HIPPOCRATES – Aphorisms. The Loeb Classical Library,
vol IV, Cambridge, Harvard University Press, p. 158-161.
5. HIPPOCRATES – Epdemics I. The Loeb Classical Library,
vol. I,Cambridge, Harvard Universiaty Press, p. 148-151
6. ARETEUS. Apud MONTENEGRO, T.H. [10]
7. CELSUS , A.C. – De Medicina. The Loeb Classical Medicine,
vol. I, Cambridge, Harvard University Press, 1971, p. 37, 125, 141, 183
e 325
8. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978..
9. LE BOE, F. (SYLVIUS) – Opera medica, 1679. In MORTON,
L.T.: A medical bibliography (Garrison and Morton). London, Butler &
Tammer Ltd., 1983, p. 300
10. MONTENEGRO, T.H. Tuberculose e literatura. (notas
de pesquisa). Rio de Janeiro, 1949.
11. VILLEMIN, J.A. – Études sur la tuberculose;
preuves rationelles et expérimentalees e de son specificité
et de son inoculabilité. Paris. J.B. Baillière, 1868.
12. KOCH, R. – Die aetiologie der Tuberkulose. Berl.
Klin. Wschr. 19: 221-230, 1882
13. MAGILL, F.N. – The Nobel Prize Winners Physiologia
or Medicine. Vol 2. S elma Abraham Waksman. Pasadena, Salem Press, 1991,
p. 649-657.
14. Internet - http://www.who.int/gtb/publications/globrep/
8 de setembro de 2001.
15. Internet - http://www.fiocruz.br/emvida/tuberculose_expo.html/
8 de setembro de 2001
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.