TONTICE, TONTEIRA, TONTURA
É opinião unânime
dos estudiosos da língua que os termos acima se formaram a partir
de tonto.
Tonto é palavra
comum ao português, espanhol e italiano. Em português deu origem
a outros derivados como tontear, entontecer, estonteante,
etc.
Existem divergências
quanto à etimologia da palavra tonto e três étimos,
pelo menos, são apontados:
1. Forma contrata de atônito,
do latim attonitu, aturdido, pasmado.[1][2]
2. Formação
expressiva, onomatopaica, tirada do falar dos abobalhados.[3][4]
3. Derivado do latim tontu
em lugar de tonsuo, particípio passado de tandere,
cortar o cabelo, em referência ao hábito de se cortar o cabelo
aos loucos.[5]
Na segunda edição
do dicionário de Moraes (1813), o vocábulo tonto aparece
com a seguinte definição: "De juízo lezo com os anos".[6]
No mesmo léxico encontramos tonteira, com remissão
para tontice: "Dito ou ação de quem tem tal lezão".[6]
Consultando diversos léxicos,
podemos observar que a evolução semântica da palavra
tonto
e de seus derivados se fez em duas direções: uma, na acepção
de perturbação da mente, exprimindo incapacidade de pensar,
de raciocinar, de se conduzir como pessoa normal; e outra, no sentido de
perturbação do equilíbrio, de percepção
sensorial de instabilidade cinética.
Atribuiu-se ao termo tontura
esta segunda acepção, ficando tonteira e tontice
para
a primeira [7][8][9] Com o passar do tempo tontura e tonteira
tornaram-se sinônimos, como já o eram, antes, tonteira
e
tontice
[10][11]
Os sufixos -ura, -eiro(a)
e -ice são amplamente empregados na formação de substantivos
na língua portuguesa.[12]
O sufixo -ura (do latim
-ura) designa ação ou resultado desta, instrumento,
objetivo, qualidade ou estado. Ex.: bravura, ligadura, armadura, cintura,
doçura, amargura.
O sufixo -eiro(a) (do
latim -arius, -aria) é dos mais produtivos
da língua e entra na formação de grande número
de palavras, em sua maioria de cunho popular. É utilizado para nomear
profissão, instrumento, recipiente, lugar, coleção,
plantas, moléstias, defeitos, qualidade ou estado. Ex.: enfermeiro,
isqueiro, tinteiro, banheiro, viveiro, roseira, cegueira, gagueira, asneira.
O sufixo -ice (do latim
-itie) denota qualidade ou estado. Ex.: velhice, meiguice, tolice,
burrice.
Vemos, por conseguinte,
que na acepção de estado ou qualidade existe certa equivalência
entre os três sufixos, os quais, pelo menos teoricamente, poderiam
ser indistintamente empregados na formação de muitos substantivos.
A realidade da língua, entretanto, é bem outra. Seria inconcebível,
por exemplo usar-se, braveira em lugar de bravura; meigura em vez de meiguice,
ou ceguice por cegueira.
Mesmo quando esta substituição
é aparentemente possível, como no caso de tontura, tonteira
e
tontice,
existe a tendência de diferenciação semântica
de cada um dos vocábulos.
Embora tontura e
tonteira
sejam,
na atualidade, igualmente empregados para caracterizar a perturbação
do equilíbrio, tonteira tornou-se mais popular, menos erudito
que tontura. Tontice, por sua vez, é pouco empregado
nesta acepção, a não ser pelas camadas incultas da
população.
Do ponto de vista médico,
há um equívoco em quase todos os léxicos não
especializados, inclusive os mais recentes[11][13][14], quando identificam
tontura
(ou tonteira) à vertigem, ou mesmo à lipotímia,
que são sintomas inteiramente diferentes. Na vertigem existe a falsa
sensação de deslocamento, quase sempre giratório,
do próprio corpo ou dos objetos que o circundam, o que não
ocorre na tontura. Na lipotímia há um desfalecimento, com
eventual perda transitória da consciência.
A tontura consiste em um
vago mal-estar e sensação de instabilidade e perda de equilíbrio,.
O movimento da cabeça agrava a vertigem, pouco ou nada influindo
na tontura.
Resta-nos decidir entre
as formas tontura e tonteira.
Acredito que a preferência
deve recair em tontura, porquanto as formas tonteira e tontice
já se encontravam dicionarizadas com o significado de distúrbio
mental, quando foi introduzida a forma tontura para caracterizar
o distúrbio sensorial no âmbito da neurologia. Apesar disso,
há indícios de que a forma tonteira esteja ganhando
adeptos.
Referências bibliográficas
1. AULETE, F.J.C. - Dicionário contemporâneo
da língua portuguesa. Lisboa, 1881.
2. FIGUEIREDO, C. - Dicionário da língua
portuguesa, 13.ed. Lisboa, Liv. Bertrand, 1949.
3. COROMINAS, J. - Breve diccionario etimológico
de la lengua castellana, 3.ed., Madrid, Ed. Gredos, 1980.
4. CUNHA, A.G. - Dicionário etimológico.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
5. MACHADO, J. - Dicionário etimológico
da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.
6. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua
portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
7. CONSTANCIO, F.S. - Novo dicionário crítico
e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco
Carneiro, 1845.
8. FARIA, E. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
9. VIEIRA, D. - Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
10. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico
da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963.
11. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua
portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
12. COUTINHO, I.L. - Pontos de gramática histórica,
5.ed. Rio de Janeiro, Liv. Acadêmica, 1962.
13. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua
portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
14. HOUAISS, A., VILLAR, M.S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.