VALVA E VÁLVULA
Valva é
palavra latina, raramente usada no singular. O plural valvae
designava em latim clássico porta ou janela de duas folhas e dois
batentes.[1][2]
Valvula é
diminutivo de valva. Usava-se em latim também no plural,
valvulae,
para nomear as metades ou bainhas de uma fava. Por extensão, vagem,
casca, folhelho.[1][2]
As válvulas semilunares
da
aorta e da artéria pulmonar foram mencionadas por Hipócrates
no tratado Peri kardies (Do coração). A elas
se referiu como membranas semicirculares.[3]
Galeno descreveu as válvulas
cardíacas sob o nome de membranas, atribuindo a Erasístrato
a denominação de tricúspide (cuspis,
em latim = ponta de lança ou flecha; em grego se diz glokhis).[4][5]
A denominação
de mitral, dada à válvula bicúspide, por sua
semelhança com a mitra, se deve a Vesalius.[6]
O termo valvula,
para designar essas formações membranosas, foi introduzido
por Alessandro Benedetto em 1493, em uma tradução de Galeno.[6]
A Nomina Anatomica
de
1895, conhecida por BNA (de Basiléa, na Suíça), e
a de 1935, conhecida por JNA (de Jena, na Alemanha) adotaram valvula
para
todas as formações membranosas valvulares do aparelho circulatório.[7]
A partir da Nomina
Anatomica de 1955, denominada PNA (de Paris), houve modificação
da nomenclatura e passou-se a usar o termo valva para designar
o aparelho valvular em seu conjunto, e valvula para as membranas
componentes da valva.
A PNA foi traduzida para
o português por uma comissão constituída pelos professores
Paulo Mangabeira Albernaz, Álvaro Fróes da Fonseca e Renato
Locchi e publicada no Brasil em 1961.[8]
A PNA sofreu sucessivas
revisões, em 1960 (Nova York), 1965 (Wiesbaden), 1970 (Leningrado)
e 1975 (Tóquio).
Em 1977 foi publicada uma
nova tradução da Nomina Anatomica para a língua
portuguesa sob a direção do Prof. Idel Becker. Nesta tradução
foi sugerida a manutenção, em português, da denominação
de válvula, também para o mecanismo valvular como
um todo.[9]
O 11º Congresso Internacional
de Anatomistas, reunido na cidade do México, em 1980, manteve a
denominação de valva para definir o aparelho
valvular como um todo, e
valvula
ou cuspis (cúspide
em
português) para designar cada um dos seus componentes, restringindo
a denominação de cuspis às válvulas
que possuem chordae tendinea.[10]
A nomenclatura atual em
latim, aprovada pela International Federation of Associations of Anatomists
(IFAA) e divulgada em 1998 estabelece as seguintes denominações
para as estruturas valvulares do aparelho ciruculatório: [11]
SISTEMA CARDIOVASCULARE
Nomina generalia
Valva
Valvula
Cuspis
Valvula venosa
Valvula lymphatica
Atrium dextrum
Valvula venae cavae inferioris
Valvula sinus coronarii
Ventriculus dexter
Valva atrioventricularis
dextra; Valvula tricuspidalis
Cuspis anterior
Cuspis posterior
Cuspis septalis
Valva trunci pulmonalis
Valvula semilunaris dextra
Valvula semilunaris sinistra
Valvula semilunaris anterior
Atrium sinistrum
Valvula foraminis ovalis
Ventriculus sinister
Valva atrioventricularis
sinistra; Valva mitralis
Cuspis anterior
Cuspis posterior
Cuspides commissurales
Valva aortae
Valvula semilunaris dextra;
Valvula coronaria dextra
Valvula semilunaris sinistra;
Valvula coronaria sinistra
Valvula semilunaris posterior
Assim sendo, de acordo com
a terminologia atual, o termo valva se refere a cada um dos aparelhos
valvulares do coração, considerado como unidade anatomofuncional,
e válvula às formações membranosas que
integram a valva ou que estejam localizadas em vasos. Cúspide
designa
um tipo especial de válvula.
As próteses valvulares,
obviamente, devem ser chamadas de válvulas.
Referências bibliográficas
1. SARAIVA, F.R. S.: Novíssimo dicionario latino-português,
10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.
2. ERNOUT, A. & MEILLET, A.: Dictionnaire étymologique
de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
3. HIPPOCRATE: Oeuvres completes (trad. Littré, 1861).
Paris, Javal et Bourdeaux, 1932, vol. 4, p. 223.
4. GALENO: Procedimenti anatomici. Libro VII. Trad. italiana (texto
bilingüe). Biblioteca Universale Rizzoli, vol. 2, p. 659.
5. BAILLY, A.: Dictionnaire grec-français, 16. ed. Paris,
Lib. Hachette, 1950.
6. SKINNER, Henry A.: The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore,
Williams & Wilkins, 1961.
7. PROVENZANO, S.D.: Nomina Anatomica. Buenos Aires, El Ateneo,
1951
8. NOMINA ANATOMICA: Arq. Cir. Clin. Experim. 24: 1-101, 1961.
9. COMISSÃO LUSO-BRASILEIRA DE NOMENCLATURA MORFOLÓGICA:
Nomenclatura anatômica da língua portuguesa. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 1977, p. 79
10. NOMINA ANATOMICA. 5th ed., Baltimore, Williams & Wilkins,
1983
11. FEDERATIVE COMMITTEE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY. - Terminologia
anatomica. Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br
10/9/2004.