VULVA
A palavra vulva,
que também se escrevia volva, já existia em
latim. Sua origem é incerta e várias hipóteses etimológicas
foram sugeridas, todas elas sem comprovação.[1]
Como termo anatômico,
foi primeiramente empregada por Plinius (séc. I d.C.) para designar
a matriz ou útero dos animais.[2] Seu uso estendeu-se à anatomia
humana, com o mesmo significado de útero, conforme documentou Celsus
em seu livro IV.1 [3]. Posteriormente passou a designar a vagina com os
órgãos genitais externos e, por fim, somente estes últimos,
compreendendo o monte do púbis, grandes lábios, pequenos
lábios, clitóris, uretra, vestíbulo e óstio
da vagina.
Do latim o termo vulva
trasladou-se para as línguas modernas, conservando a mesma grafia
em português, espanhol, italiano e inglês. Em francês
deu-se a troca da vogal final de a para e.
Antes de sua incorporação
à nomenclatura anatômica vulva já era
um termo consagrado em latim. No século VII d.C. Isidoro de Sevilha,
em seu livro Etymologias, já definia vulva como a "porta
do ventre", "ou porque recebe o sêmen, ou porque dali procede o feto".[2]
Há em latim outra
denominação para os órgãos genitais externos
da mulher, de cunho popular, que é cunnus. No dicionário
de Blancard, de 1718, lê-se:
"Vulva est pudendum
muliebre, vide cunnus."
"Cunnus est pudendo
muliebre."[4]
O termo
cunnus
foi
suplantado por vulva, sobrevivendo, contudo, nos compostos
cunilíngua
e cunilingue.
A denominação de pudendum
muliebre é, sem dúvida, um eufemismo perifrástico
de vulva, referindo-se às partes pudendas, íntimas, da mulher,
que despertam pudor.
A palavra vulva, como termo
de anatomia, segundo Hatzfeld et al., fora utilizado por Ambroise Paré
no século XVI. [5] A restrição de significado de vulva
à genitália externa, porém, só se consolidou
no século XVII com a obra do anatomista belga Spigelius.[2]
Nesta acepção
de órgãos genitais externos femininos, a palavra vulva encontra-se
dicionarizada em francês desde 1488, em inglês desde 1548 e
em espanhol desde 1739.[6][7][8]
Em português encontramos
o seu registro nos léxicos de Domingos Vieira e de Correia de Lacerda,
ambos de 1874.[9][10] Os dicionários de Aulete (1881) e de Cândido
de Figueiredo (1899), além de vulva, abonam os derivados vulvar
e vulvite. [11] [12]. Hoje são nada menos de 18 os cognatos averbados
no Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras.[13]
A palavra vulva, como termo
anatômico, parece não ser do agrado dos anatomistas. A Nomina
Anatomica de Basiléia, de 1895, conhecida por BNA, adotou
pudendum
muliebris
em lugar de vulva. Na revisão da
BNA aprovada em Jena, na Alemanha, em 1935, pudendum muliebris
foi
trocado por
pudendum femininum,[14] que se manteve daí
por diante.
No 9º Congresso
de Anatomia, realizado no México em 1980, bem como no 11º
Congresso realizado em Londres em 1985, foi mantida a denominação
anterior de pudendum femininum, porém, a palavra vulva
aparece como alternativa na Nomina Histologica. [15][16].
A última edição
da Nomina Anatomica em latim, publicada em 1998 sob o nome de Terminologia
Anatomica, admite vulva como termo alternativo
de pudendum femininum. [17]. Na tradução para
a língua portuguesa, entretanto, a Sociedade Brasileira de Anatomia,
decidida a manter um só nome para cada estrutura, preferiu a tradução
literal de pudendum femininum - pudendo feminino.[18]
É óbvio que
o nome de vulva e seus cognatos, muito mais simples e de uso tradicional,
continuarão a integrar o vocabulário médico. Na literatura
médica indexada pela BIREME nos últimos 22 anos, verifica-se
a ocorrência de vulva 362 vezes e nenhuma de pudendo feminino.
Tal fato demonstra cabalmente
o divórcio ainda existente entre a terminologia anatômica
oficial e a terminologia de uso corrente.
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 426.
2. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993
3. CELSUS, A.C. - De Medicina. The Loeb Classical Library,
Cambridge, Harvard University Press, 1971, livro IV.1.11, p. 360.
4. BLANCARD, S. - Lexicon medicum graeco-latino-germanicum,
5.ed., Hallae Magdeburgicae, 1718.
5. HATZFIELD, A., DARMESTETER, A., THOMAS, M.A. – Dictionnaire
genéral de la langue française Paris, Librerie Ch. Delagrave,
1888.
6. ROBERT, P. - Dictionnaire alphabétique et analogique
de la langue française. Paris, Dictionnaires Le Robert, 1987.
7. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
8. COROMINAS, J. - Breve diccionario etimológico
de la lengua castellana, 3.ed., Madrid, Ed. Gredos, 1980.
9. VIEIRA, D.- Grande dicionário português
ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu
H. de Moraes, 1871-1874.
10, LACERDA, J.M.C.- Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
11. AULETE, F.J. C. - Dicionário contemporâneo
da língua portuguesa. Lisboa, 1881.
12. FIGUEIREDO, C. - Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Lisboa, Ed. Tavares Cardoso , Irmão, 1899.
13. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1999.
14. PROVENZANO, S.D. - Nomina Anatomica. Buenos Aires,
El Ateneo, 1951
15. NOMINA ANATOMICA. 5th ed., Baltimore, Williams ,
Wilkins, 1983, p. H26
16. NOMINA ANATOMICA. 6th ed. Churchill Livingstone,
Edinburgh, 1989, p. H29.
17. FEDERATIVE COMMITTEE ON ANATOMICAL TERMINOLOGY. -
Terminologia anatomica. Stuttgart, Georg Thieme Verlag, 1998, p..66
18. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA. Terminologia anatômica.
São Paulo, Ed. Manole Ltda., 2001, p. 81
19. BIREME – Disponível em http://www.bireme.br/
em 27/08/2004.